ISOLAMENTO SOCIAL
Sonhei...
Foi num sono sereno, profundo,
Onde a dor se afastava do mundo.
Caminhei por campos em flor,
Respirei o perfume do amor.
O céu era imenso, tingido de azul,
Sem grades, sem sombras, sem luto, sem sul.
As nuvens dançavam num balé leve e lento,
E eu seguia, sem tempo, sem contratempo.
Não havia medo, nem pressa, nem pranto,
Só a brisa batendo no rosto, num canto.
Abracei meus amores com toda a ternura,
Como se a vida fosse feita de cura.
Recitei versos ao vento encantado,
Aos rostos mais belos que o tempo há moldado.
Falei de saudades, de risos guardados,
De sonhos antigos, há muito calados.
Entrei em lares de portas abertas,
Onde as manhãs eram sempre despertas.
Tomei café com gosto de infância,
Tomei vinho em nome da esperança.
Sussurrei tolices, confessei verdades,
Sem medo das regras, das autoridades.
Tudo era palavra, respiro e presença,
Sem peso, sem culpa, sem sentença.
Depois de tanto ouvir e falar,
Deixei no ar meu jeito de amar.
Disse um “até breve”, com voz de carinho,
E prossegui pelo mesmo caminho.
Vi!
Crianças correndo no parquinho,
Em risos que ecoam como um hino.
Vi mãos enrugadas, firmes no abraço,
Idosos dançando sem laço ou cansaço.
Vi amantes deitados na relva macia,
Beijando-se à luz da mais plena alegria.
Vi corpos libertos de medo e censura,
Celebrando o amor em sua mais pura estrutura.
Vi sombras tornando-se luz na calçada,
A tarde morrendo... e sendo encantada.
Parei então, com sede no peito,
Na tenda da esquina, tão cheia de efeito.
Ali, bebi da água da vida,
E vi que a sede era também dividida.
Havia sorrisos, havia calor,
Olhares que trocavam silêncio e amor.
Sorri.
Sorri com a alma, sorri por inteiro,
Sem culpa, sem mágoa, sem travesseiro.
Um sorriso aberto, de fim de jornada,
Como quem já voltava da estrada.
Mas eis que, suave, o sonho se quebrou...
A realidade bateu — e tudo mudou.
Acordei com os olhos ainda molhados,
Com ecos do sonho ainda abraçados.
E ali, sozinha no quarto calado,
Senti que o mundo podia ter mudado.
Mas ficou a lembrança, como um sinal:
Sonhar, às vezes, é ato vital.
Tatiana Pereira Tonet
Enviado por Tatiana Pereira Tonet em 09/04/2020
Alterado em 26/05/2025